PALESTRA PROFERIDA
NO SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE RECURSOS AUDIOVISUAIS NO ENSINO DE
1° GRAU. DEPARTAMENTO DE ENSINO FUNDAMENTAL -MEC - BRASÍLIA,
JUNHO DE 1977.
Prof. Léa da
Cruz Fagundes
Laboratório de Metodologia e Currículo - Departamento de
Ensino e Currículo
Faculdade de Educação - UFRGS.
Materiais
manipulativos no ensino de matemática a crianças de 7 a
14 anos
Período das operações concretas
É de consenso geral que o homem comum,
numa sociedade relativamente simples, necessita bem pouca
matemática para solucionar os problemas da vida diária.
Entretanto, as profundas mudanças econômicas e
sociológicas, paralelas à implosão do conhecimento
científico, as transformações ora benfazejas, ora
catastróficas da técnica, as tendências gerais
à democratização da sociedade, e os conflitos que
resultam de tudo isso, criam condições de vida cada vez
mais complexas.
Administradores e especialistas em todos os núcleos da
civilização atual ocupam-se da
replanificação do ensino, propondo e instituindo reformas
sucessivas. Pode-se, porém, observar que o crescimento do
número de alunos na extraordinária expansão
ocorrida no ensino não se deve somente ao aumento da
população, mas também às medidas de
justiça social que visam facilitar e garantir o acesso à
escola e prolongar a escolaridade obrigatória para
crianças e adolescentes. Essa escolaridade pretende
também a formação cientifica para o homem de uma
sociedade complexa.
Analisando os aspectos positivos no desenvolvimento da
educação, Jean Piaget (Psicologia e Pedagogia, 1970)
alerta para os problemas que substituem quanto à
eficiência dos meios empregados, pois "nem sempre fica
demonstrado se esta expansão corresponde a um resultado feliz, a
uma vitória da educação". Ele exemplifica: “Para
analisar os progressos da medicina, pouco ajudaria uma
estatística das doenças tratadas, pois seria
necessário um estudo dos resultados dos tratamentos em
relação a sua extensão social. O que continua a
faltar à pedagogia científica é este gênero
de controle, e daí porque o progresso apresentado deixa ainda em
aberto uma série indefinida de problemas".
Particularmente estamos investigando os problemas do ensino da
matemática na Área de Ciências do Currículo
de 1° grau. Acreditamos que é imprescindível
considerar tanto: a importância das noções a serem
ensinadas às crianças atendendo ao mesmo tempo
necessidades de sobrevivência e necessidade de desenvolvimento
social, como também as dificuldades de assimilação
dessas noções mais importantes, pela maioria das
crianças em todos os tipos de escola.
Considerando as noções que deveriam ser selecionadas
é indispensável definir:
- O que se entende por Matemática? O que vem
acontecendo com a Matemática nestes últimos
decênios? Porque a indagação Matemática
mudou e continua mudando? Em que consistem essas mudanças?Gustave
Choquet (apud Castelnuovo. 1973), expressa em poucas frases a
diferença entre a matemática clássica e a
matemática de hoje: “O ‘matemático tradicional’ estudava
argumentos particulares que agrupava conforme o grau de dificuldades
(aritmética, álgebra, geometria, trigonometria, etc.). A
descoberta das grandes estruturas mudou o plano e a trama de
construção de nosso mundo. A matemática
clássica tomava como elementos base os objetos
matemáticos. Desde a Antigüidade até o século
passado houve concordância sobre a qualidade desses objetos.
Eram, como dizia Platão, os números, o tamanho, a forma,
e não estava ao nosso alcance lhes atribuir propriedades
arbitrárias porque se consideravam separados de suas
próprias estruturas. Dá-se hoje o nome de
‘matemática moderna’ àquela cuja essência
não se deve à qualidade do material utilizado para as
bases, mas às leis operatórias que permitirem a sua
construção”, explica Castelnuovo (1973).A
matemática, afirma Dienes (1970), não deve ser
considerada como um conjunto de técnicas, embora tais
técnicas sejam claramente essenciais para a sua
utilização efetiva. Ela deve ser vista antes como uma
estrutura de relações. Uma proposição
matemática é relativa a alguma conexão dentro da
estrutura; para exprimir tal conexão temos que usar um
simbolismo que é uma espécie de linguagem inventada para
comunicar partes da estrutura de uma pessoa para a outra. Em nossas
escolas, proposições formais sobre estruturas
estão continuamente sendo feitas sem que as estruturas
propriamente ditas sejam compreendidas.Por matemática pode-se,
então, entender as conexões estruturais efetivas entre
conceitos ligados às idéias de número e de forma,
e ao mesmo tempo suas aplicações a problemas tais como
são postos na realidade.
Por aprendizado de matemática deve-se, portanto, entender a
apreensão de tais conexões, bem como suas
simbolizações, e a aquisição da capacidade
de aplicar os conceitos formados a situações reais que
ocorrem no mundo.
A matemática tem um valor operatório. Ela possibilita a
construção de modelos qualitativo-quantitativos que a
ajudarão a elaborar sistemas explicativos para os eventos do
meio em que vivemos.
Que objetivos perseguimos em nossas civilizações modernas
ensinando matemática às crianças?
Certamente, responde Jean Diedonné (1955), não é
fazê-las conhecer a seqüência dos números
primos ou uma coleção de teoremas sobre bissetrizes do
triângulo, sem utilização alguma. É antes
ensiná-las a ordenar e encadear seus pensamentos segundo o
método de que servem os matemáticos.
É a essência do método que deve
ser objeto deste ensino, os tópicos ensinados devem se
constituir em ilustrações bem escolhidas, se o que se
deseja formar são cidadãos autônomos, envolvidos
num processo de educação permanente.
Mas de que maneira poderão os alunos chegar de forma
independente a propor indagações e a resolver problemas?
Que meios de trabalho, que tópicos, que situações
é preciso organizar para impulsioná-los?
Que procedimentos permitirão, de modo elementar, que a estrutura
de um conteúdo surta este efeito formativo?
A psicologia estende a mão à lógica e mostra,
finalmente, que a inteligência da criança é
orientada espontaneamente para a organização de certas
estruturas operatórias que são isomorfas às que os
matemáticos colocam como início de sua
construção, ou que os lógicos encontram nos
sistemas que elaboram.
Em seu trabalho, Piaget (1955) não afirma que as regras
lógicas sejam leis do pensamento. O que ele faz é adaptar
a lógica ao mecanismo real do pensamento, conseguindo descrever
as diferentes fases do desenvolvimento intelectual pelas estruturas
elaboradas pela lógica: “Do ponto de vista prático, a
questão para o educador seria escolher entre métodos
formalistas fundados sobre a lógica e métodos ativos,
baseados na psicologia: a finalidade do ensino matemático
será alcançar tanto o rigor lógico do
raciocínio quanto a compreensão, mas só a
psicologia poderá fornecer ao pedagogo a maneira pela qual esse
fim será alcançado. Se o edifício
matemático repousa sobre ‘estruturas’ que por sua vez
correspondem às estruturas da inteligência, é na
organização progressiva dessas estruturas
operatórias que é preciso basear a didática".
Entretanto, a situação atual do ensino da
matemática é, pode-se dizer, paradoxal. Os programas
são reformulados buscando essa "organização
progressiva" das estruturas algébricas, topológicas e de
ordem, utilizam nova simbologia e incluem noções de
lógica matemática. Mas a preferência dos alunos
pelo estudo da matemática não tem aumentado, enquanto que
as dificuldades de assimilação de noções
importantes aumentam com o crescimento do alunado, tanto em 1°
quanto em 2° grau.
QUE FATORES ESTÃO INTERVINDO NA
ASSIMILAÇÃO DAS NOÇÕES MAIS IMPORTANTES
PELA MAIORIA DAS CRIANÇAS?
Em primeiro lugar, será necessário analisar se a
organização das estruturas matemáticas, na
seqüência curricular, corresponde ao nível de
desenvolvimento das estruturas operatórias da inteligência
em cada grupo de alunos. O ponto essencial é fazer com que os
alunos desenvolvam capacidades operatórias de modo
correspondente à tomada de consciência suscita pela
organização de ensino.
Em segundo lugar, a ação pedagógica,
constituindo-se de um sistema de interação entre pessoas,
envolve atitudes, valores, sentimentos, que muito pouco são
considerados no ensino matemático. Por exemplo, o professor em
geral se preocupa mais com o êxito do aluno na
realização do cálculo, com a sua habilidade de dar
respostas "certas" do que com os danos que pode causar ao auto-conceito
de uma criança ou de um adolescente reprimindo as
experiências de insucesso na resolução de
problemas.
Pellerey (1976) comentando sobre o fato de que as atitudes dos adultos
com a matemática estão freqüentemente enraizadas na
infância, refere que, em torno da 3ª serie, uma
criança já pode ter atitudes definidas e persistentes do
tipo negativo. As experiências ansiosas e os traumas do tipo
progressivo podem ser encontrados nas primeiras séries da escola
primaria. Moojen Kiguel (1976) constatou que, entre 19 sintomas de
dificuldades de aprendizagem listados, a freqüência de
dificuldades de aprendizagem da matemática foi único
sintoma que apresentou um aumento gradativo à medida que a
criança avança da 1ª para a 3ª série do
primeiro grau.
Em terceiro lugar, é preciso considerar as experiências de
aprendizagem que são proporcionadas pelo currículo
escolar. Piaget (1972) afirma que a experiência de objetos do
ambiente físico é obviamente um fator básico no
desenvolvimento das estruturas cognitivas. Mas há dois tipos de
experiências que são psicologicamente muito diferentes e
esta diferença é muito importante do ponto de vista
pedagógico. Primeiro o que ele chama de experiência
física e segundo, o que ele chama de experiência
lógico-matemática.
O conhecimento, segundo Piaget, não é uma cópia da
realidade. Não resulta de olhar e fazer simplesmente uma
cópia mental, uma imagem de um objeto. Para conhecer um objeto,
um fato, é preciso agir sobre ele, modificá-lo,
transformá-lo, compreender o processo dessa
transformação e, como conseqüência entender a
maneira como o objeto é construído.
A experiência física consiste em agir sobre o objeto e
conseguir algum conhecimento por abstração. Por exemplo,
descobrir que um cachimbo é mais pesado do que um
relógio. A criança só pesará ambos e
encontrará a diferença nos próprios objetos. Na
experiência lógico-matemática, o conhecimento
não é extraído dos objetos, mas das
ações realizadas sobre os objetos pelo sujeito. E Piaget
exemplifica: “Para contar bolinhas de gude no pátio, a
criança as põe em fila e conta de um até dez.
Quando termina de contar numa determinada direção,
começa de outro lado e conta de novo. Descobre então a
maravilha que são 10 da direita para a esquerda, ou da esquerda
para a direita. Põe as bolinhas em um círculo e conta de
novo: 10. Muda o arranjo e de novo conta 10. O que ela descobriu? Ela
não descobriu uma propriedade das bolinhas, mas uma propriedade
de ação de ordenar. As bolinhas não tinham ordem
alguma. Foi sua ação que introduziu uma ordem linear, uma
ordem cíclica, ou de qualquer outro tipo. Ela também
descobre que a soma é independente da ordem, isto é, a
ação de "colocar junto" é independente da
ação de "ordenar", quando ela realiza a
operação de juntar, contar, separar e contar novamente.
Não é a propriedade física das bolinhas que a
experiência mostra, mas as propriedades das ações”.
Este é o ponto de partida da educação
matemática. A educação subseqüente
consistiria em interiorizar estas ações, afirma Piaget, e
combiná-las sem precisar das bolinhas. O matemático
não precisa de suas bolinhas de gude. Ele combina suas
operações simplesmente com símbolos.
O ponto de partida da educação
lógico-matemática não é uma
experiência no sentido usado pelos empiristas. É o
começo da coordenação de ações. Mas
esta coordenação de ações antes do
estágio operatório formal precisa do amparo do material
concreto. Montessori (OREM, 1975) fala do "espírito
matemático" da criança - aquela parte da
inteligência que reflete uma tendência natural à
classificação, à mensuração. A
criança se inclina a organizar e ordenar seu quadro de vida,
edifica nele, a partir de suas experiências, "modelos" ou "mapas"
deste meio - eles lhe servirão de base, no futuro, para tomar
decisões. Na criança essa necessidade de qualificar, de
abstrair e de interiorizar o que para ela apresenta uma necessidade
lógica, só pode ser satisfeita se seu quadro de vida
não é incoerente e pobre.
A teoria neurofisiológica do Dr. O. Hebb (apud Orem, 1975)
oferece uma perspectiva que embasa o pensamento de Montessori. Ele
acentua que a experiência, a sensação, a
percepção, as interações humanas
desenvolvem o sentido do real, a atenção ao meio
físico, a descoberta progressiva de significações.
Em L´Organization du Comportment, Dr. Hebb apresenta sua
teoria segundo a qual toda primeira experiência desempenha um
papel central, pois uma excitação repetida dos
órgãos receptores conduz à
organização de unidades funcionais que ele chama de
"assembléias de células". Num estágio mais
avançado as assembléias de células se combinariam
para formar "seqüências de fases". Na medida em que uma
ambiência que estimula é determinante para favorecer o
desenvolvimento intelectual, as experiências da criança
terão grande influência sobre o modo pelo qual, tornado
adulto, saberá resolverá seus problemas.
Num meio inerte, o sistema nervoso pode não chegar a adquirir as
estruturas necessárias a cada indivíduo para aprender
este mundo de complexidade sempre crescente. Será preciso
oferecer às crianças apelo a diversas dimensões
sensoriais ao mesmo tempo em que à atividade experimental para
que percepções e operações se
interconectam. Se deixarmos a criança entregue a seus
próprios recursos num meio carente não é de se
admirar que ela se torne um problema escolar.
A UTILIZAÇÃO DE MATERIAIS MANIPULATIVOS
NO ENSINO
Como membros do Grupo de Estudos Cognitivos e do Grupo de
Estudos sobre o Ensino de Matemática de Porto Alegre temos
participado de encontros com grupos internacionais em que se expressa
sempre a mesma preocupação com o ensino: as
mudanças que ocorrem no seio da sociedade, o desenvolvimento
interno da ciência e as descobertas da psicologia experimental
não chegaram ainda a produzir mudanças efetivas no
trabalho do professor em sala de aula.
Ainda que utilizando manuais que se intitulem "modernos", enchendo
cadernos com novos símbolos, o aluno é tratado como
indivíduo de um grupo uniforme que deve permanecer receptivo. As
informações abstratas são transmitidas
verbalmente, e "logicamente" pelo professor, com o auxílio do
giz e quadro-verde. Folhas de papel mimeografado, com
definições e exercícios, quando são
utilizadas, são consideradas como grande conquista.
Os maus resultados do ensino, o rendimento precário do aluno,
são atribuídos ou à "modernização"
da matemática, ou à incapacidade de aprender. Essa
incapacidade chega até a ser muito bem aceita por grande
número de professores em todos os graus que, por insuficiente
formação psicológica, acreditam ser o pensamento
matemático de tal qualidade que só uma minoria de seres
bem dotados poderia desenvolvê-lo.
Por que a revolução que se iniciou na
didática desde o século XVII, com Comênius,
não alterou ainda este quadro? Os métodos "intuitivos"
foram ainda preconizados por Rousseau (1712-1778), Herbart (1776-1841),
incorporando-se ao ensino o material concreto.
A utilização de material concreto abriu novas
perspectivas, mas sofreu as limitações da
fundamentação psicológica que a preconizava. Esses
métodos "intuitivos", afirma Piaget (1970), agora já
clássicos, renascem sem cessar das próprias cinzas. Eles
constituem, na verdade, um progresso em relação aos
processos puramente verbais, ou formais. Mas de modo algum são
suficientes para desenvolver a necessária atividade
operatória da inteligência para a aquisição
do conhecimento.
A insuficiência da concepção de ensino que
considera o aluno um receptor em lugar de um criador, continuou em
nosso século a provocar numerosos movimentos renovadores: Dewey
(1859-1932), Claparède (1873-1940), Kerschensteiner (1854-1932)
preconizam a chamada "escola ativa". O recurso fundamental dessa nova
escola é "a atividade construtiva do espírito dominado
pela dúvida" (Dewey, 1946). A proposição dos
métodos "ativos" (investigação experimental –
verificação) tendo como centro do processo o aluno, tem
como objetivo a
atividade mental do aluno para
aquisição do conhecimento.
No ensino da matemática, entretanto, esse objetivo não
tem sido perseguido. Devido à formação
psicológica insuficiente da maioria dos educadores, há
duas confusões distintas:
- Pensar que toda "atividade" do sujeito, ou da
criança se reduz a ações concretas. Isso é
verdadeiro para os graus elementares, não o sendo para
níveis superiores, onde o aluno pode ser inteiramente ativo no
sentido de uma redescoberta pessoal pela reflexão interior e
abstrata;
- Acreditar que uma atividade que incida sobre objetos
concretos se reduza a processos figurativos, isto é, que
forneça uma espécie de cópia fiel, em
percepções ou em imagens mentais.
Exemplifica Piaget que a utilização de
materiais concretos pode-se dar em sentidos até opostos. As
barrinhas de Cuisenaire podem dar lugar a utilizações
operatórias, se a criança descobre por si mesma as
diversas operações através de
manipulações espontâneas; utilizações
essencialmente intuitivas ou figurativas se o professor se limita a
demonstrações exteriores onde a criança só
tem a oportunidade de ler figurações acabadas.
Bergson comparava a atividade operatória da inteligência
aos processos cinematográficos. Infelizmente falhou nos
problemas das operações, afirma Piaget, e não
percebeu que a transformação operatória constitui
um ato verdadeiro, contínuo e criador. "O construtivismo
operatório da inteligência não se reduz às
imagens de um filme, antes se pode compará-lo ao motor que
garante o desenrolar das imagens, e sobretudo dos mecanismos
cibernéticos que assegurariam um tal desenrolar graças a
uma lógica e aos processos auto-reguladores e auto-corretores.
Assim, o recurso à experiência e à
ação sobre materiais concretos, de um modo geral, uma
pedagogia chamada ‘ativa’ enquanto procedimento de
iniciação matemática, em nada compromete o rigor
dedutivo ulterior. Ao contrário, prepara-o, proporcionando-lhe
bases reais e não simplesmente verbais".
A utilização de materiais concretos no ensino de 1º
Grau deve ser organizada de modo a propiciar a cada aluno
situações de experiências físicas bem como
situações de experiências
lógico-matemáticas, onde ele possa realizar tanto
abstrações empíricas quanto
abstrações reflexivas.
Gaba (1975) propõe o seguinte esquema para
utilização de material concreto nas aulas de
matemática:
Manipulação de objetos
concretos
Ações realizadas com objetos
Obtenção de relações
Interiorização dessas
relações
Aquisição e formulação do
conceito
Integração do conceito a conceitos
anteriores (estruturação)
Aplicação ou reconhecimento da estrutura
em novas situações
Dienes (1974) propõe um modelo de seis etapas
para a construção do modelo matemático:
1ª - Jogo livre enriquecido num ambiente
enriquecido por materiais
2ª - Jogos estruturados, obedecendo a regras.
3ª - Comparação dos jogos que tenham
estruturas isomorfas
4ª - Representação da
abstração lógico-matemática
5ª - Análise das propriedades dessa
representação
6ª - Demonstração dedutiva das
propriedades estruturais do conceito, em linguagem matemática.
Reconhecemos que utilizar materiais numa metodologia ativa
é muito mais trabalhoso para o professor, alem de exigir-lhe uma
formação bem mais específica, que as
próprias universidades tardam em incluir nos currículos
de suas licenciaturas.
Tivemos ocasião de avaliar alguns de seus resultados no Projeto
Reformulação Metodológica no Ensino de
Matemática no 1º Grau (INEP/GEEMPA, 1974) e no Projeto
Ensino Integrado de Ciências e Matemática no 1º Grau
(PREMEN/UFRGS, 1976). Em ambos, a mudança de atitude revelou-se
fundamental. Mesmo um professor com poucos recursos materiais,
trabalhando com crianças socialmente carentes, pode utilizar o
método ativo com materiais do próprio ambiente,
até mesmo sucata doméstica. Mas é preciso que ele
apresente certa sensibilidade para descobrir como seus alunos "pensam",
para respeitar e estimular sua iniciativa e sua atividade; uma
crença firme de que eles têm possibilidade de se
desenvolverem e uma aquisição razoável dos
conceitos que ele vai ajudar os alunos a construírem.
Em artigo publicado na revista Archimedes, nº. 5, 1962, Emma
Castelnuovo relata um de seus trabalhos experimentais que ilustra a
utilização de materiais, com simplicidade, em sala de
aula, atendendo aos princípios de uma pedagogia ativa:
Propõe-se a um grupo de crianças o problema de desenhar
um retângulo tendo a base três vezes maior do que a altura.
Como as crianças efetuam a
construção da figura?
Alguns se valendo da regra fixam certa medida para a altura, triplicam
essa medida e desenham a base; outros se valem de uma folha
quadriculada para desenhar a altura do mesmo tamanho do lado do
quadrinho, e a base de três desses quadrinhos; outros ainda
desenham um retângulo sem tomar as medidas, mas põe em
evidência que a base é o triplo da altura dividindo-a em
três partes que deveriam ser cada uma igual à altura, mas
isso nem sempre acontece.
Depois de terem feito o desenho, faz-se a seguinte pergunta:
Se
fosse dado o comprimento do perímetro do retângulo, seria
possível determinar o comprimento da base e o da altura?
As respostas dadas foram as mais inesperadas:
Divide-se o perímetro por 2!... por 4!... por 3!
Ficamos perplexos porque observamos que os alunos não observam,
em absoluto, o retângulo que desenharam em seus cadernos, e que,
mesmo estimulados a examinar a desenho que traçaram, eles
próprios "não o vêem".
Reflitamos. Observar esse retângulo significa decompor seu
contorno nos elementos que o formam, significa pensar que a base
está composta por três elementos iguais entre si, e iguais
à altura; trata-se de conceber uma equação de
primeiro grau. A observação que se pode fazer é
que a criança, mesmo que o tenha desenhado, só vê o
retângulo como um todo inseparável, não consegue
analisá-lo.
Para um outro grupo de crianças apresenta-se o mesmo problema,
porém utilizando-se
palitos. Eles usam 1
palito para a altura e 3 para a base1 ou 2 para a altura e 6 para a
base, etc. Depois dessa construção, todos os alunos sabem
dizer imediatamente que procedimento utilizar para encontrar o
comprimento das duas dimensões.
Que diferença há entre esta
construção e o desenho?
Aqui, ao efetuar a construção, o aluno se
dá conta das relações das partes com o todo. E o
palito, esse material insignificante, assume para ele um valor enorme -
é o meio para resolver problemas construindo e contando;
operações que significam não verbalizar.
Além disso, a vantagem que um material oferece em
relação ao desenho, é a mobilidade de seus
elementos. Pode-se construir com o mesmo número de palitos
outras figuras, por exemplo, um quadrado. Teria a mesma área do
retângulo? Os conceitos de perímetro e de área,
postos em confrontação, se aclaram reciprocamente. Ainda
a simples confrontação dos retângulos
construídos com diferentes números de palitos, com a
mesma relação, abre as portas para a teoria da
semelhança.
É possível continuar considerando problemas
análogos sobre muitas figuras geométricas, ou sobre
questões de aritmética que considerem o conceito de
relação, e chegar a uma sistematização.
Nasce espontânea a "entrada nas equações". Ao
momento heurístico segue um êxtase! A seguir se deduz
procedimentos em casos do mesmo gênero.
Certamente reconhecemos que a educação científica
deve ter como finalidade fazer passar de uma visão mágica
das coisas que nos rodeiam, a um conhecimento objetivo e a um sereno
julgamento dos fenômenos naturais; deve ser uma contínua
ascensão na arte de observar, de medir, hipotetizar e deduzir,
de controlar e verificar. Esta atividade científica expressa a
própria operatividade do pensamento matemático na
construção de abstrações a partir do real.
REFERÊNCIAS:
CASTELNUOVO, Emma. Didáctica de la Matemática
Moderna. México, Ed. Trillas, 1973.
DIENES, Z. P. Aprendizado Moderno da Matemática.
Rio, Zahar, 1970.
GABBA, Pablo J. Matemática para Maestros.
Buenos Aires, Ed. Marymar, 1975.
LAVATELLI, Celia and STENDLER, Faith. Readings in Child
Behaviour and Development. Harcourt Inc. New York, 1972.
MOOJEN Kiguel, Sonia. Avaliação de Sintomas de
Dificuldades de Aprendizagem em Crianças de 1ª, 2ª, e
3ª séries do 1º Grau. Porto Alegre, Redacta,
1976 (Dissertação de Mestrado).
OREM, R. C. Le Manuel Montessori. Éd.
Denoël/Gonthier, Paris, 1975.
PIAGET, Jean. Psicologia e Pedagogia. Ed. Forense,
Rio, 1970.
Association des Professeurs de Mathématiques de L'Enseignement
Public. La Mathématique a l' École
ÊLÉMENTAIRE. Paris, 1972.